José Augusto do Amaral, conhecido como “Preto Amaral”, foi um filho de escravos que nasceu em Minas Gerais, em 1871. Ganhou a liberdade com a Lei Áurea e entrou para o exército, participando da Guerra dos Canudos, em 1897, chegando a ser promovido a Tenente. Era uma das poucas ocupações disponíveis para ele num país ansioso por ser “embranquecido” por imigrantes.
Tentou desertar no Rio de Janeiro e foi preso, sendo condenado a sete meses de prisão. Provavelmente devido à discriminação e maus tratos, comuns na época, ao ser libertado, não conseguiu emprego fixo e mudou-se para São Paulo, onde começou a fazer bicos. Em 1927, Amaral foi preso novamente, dessa vez apontado como autor de três assassinatos brutais, seguidos de violência sexual.
Segundo seu depoimento, no qual confessou todos os crimes, ele seduzia, asfixiava, e então estuprava o cadáver das vítimas – todos homens. A imprensa passou a chamá-lo nas manchetes de “monstro negro”, “diabo preto” e “estrangulador de crianças”.
Apesar dessa última alcunha, Antônio Sanches, a primeira vítima, já tinha 27 anos. Em seu depoimento, Amaral afirma que o encontrou nos arredores da praça Tiradentes e que a vítima lhe pediu fósforos. Depois de tomarem café num botequim próximo, Amaral teria convidado o rapaz para ver um jogo de futebol. O corpo foi encontrado próximo do aeroporto do Campo de Marte, na zona norte.
Sua segunda vítima, José Felippe Carvalho, tinha 10 anos quando morreu, na véspera do Natal de 1926. Amaral atraiu o menino dando de presente alguns dos balões que vendia na região do Canindé. José foi encontrado 13 dias após a morte, já sem os membros superiores.
Numa tarde de 1927, Antônio Lemos, de 15 anos, passeava pelos arredores do Mercado Municipal de São Paulo quando foi abordado por um homem negro, que se ofereceu para lhe pagar um almoço. Após uma breve conversa, os dois partiram num bonde rumo à Lapa. Foi o último bonde de Antônio, a terceira vítima de Preto Amaral.
Amaral foi capturado após a quarta tentativa de crime. Roque Piccili era um engraxate de 9 anos. Ele foi levado para debaixo de uma ponte e estava sendo estrangulado, quando seu algoz ouviu vozes, se assustou e fugiu. Ao retornar, não encontrou mais sua vítima, que já estava na delegacia delatando seu quase assassino.
Frustrando a população, que clamava por linchamento ou uma execução, Amaral morreu de tuberculose antes de ser julgado, 5 meses após a prisão, na cadeia pública de São Paulo. Consta que os jornais continuaram a noticiar homicídios semelhantes, mesmo depois da prisão de Amaral, aumentando sua lenda.
A escritora Ilana Casoy é autora de livros sobre matadores em série e estudou as acusações feitas à época contra Preto Amaral. Para Ilana, “temos, com bastante margem de certeza, que Amaral era culpado”. Ela apontou que ele deve ser considerado o primeiro serial killer brasileiro, por suas vítimas terem o mesmo perfil e serem mortas sob o mesmo modus operandi. “Todos os meninos se parecem, seja pela idade, pela cor da pele ou pelo trabalho. Ele oferecia comida, conversava e se aproximava desses meninos pobres. Depois, os atraia para um lugar ermo. Quando estavam desacordadas, ele os agredia sexualmente”.
Em um julgamento simbólico realizado 85 anos após acusações de crimes que chocaram a cidade de São Paulo, Preto Amaral foi absolvido por 257 votos, contra apenas 57 pela condenação. O Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco) foi o palco do Júri Simulado sobre os crimes atribuídos em 1927 a Preto Amaral.
O evento foi organizado em parceria com a Defensoria Pública de SP, através da Escola da Defensoria e de seu Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito, a Ouvidora-geral da Defensoria, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a Faculdade de Direito da USP e a Companhia de Teatro Pessoal do Faroeste.
Profissionais com larga experiência em tribunais do júri estudaram o inquérito policial e reportagens da época para desempenharem com fidelidade os melhores argumentos de acusação e de defesa. Ao final, as pessoas presentes puderam votar pela culpa ou inocência de Preto Amaral, por meio de cédulas.
Em defesa de Amaral, o advogado Cláudio Mariz de Oliveira, disse que a sociedade à época “talvez não admitisse um crime assim praticado por um branco”. Ele criticou a cobertura da imprensa sobre o caso, “por criar sempre uma expectativa de culpa, nunca de inocência”. Para Mariz, “a imprensa teve um papel fundamental, porque em nenhum momento deixou em aberto a possibilidade de inocência de Amaral. E a teoria da raça superior aumentou o pedido pela culpa desse homem”.
Um momento marcante no júri simulado foi a apresentação do encarte do processo criminal nº 1670/1927, que descrevia a avaliação do psiquiatra que examinou Amaral. Ele leva em consideração seu pênis grande como “indício de sua bestialidade”. Na época, era comum relacionar o tamanho do pênis do criminoso com o tamanho do crime.
O caso de Preto Amaral rendeu livros, tese de mestrado e peça de teatro. Na ala dedicada aos criminosos sexuais no Museu do Crime, em São Paulo, ele aparece com destaque.
Fontes de pesquisa:
Texto Karina Ninni - Publicado em 30 nov 2008.
Matéria da Defensoria Pública de São Paulo - Publicada em 22 set 2012.
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